sábado, 16 de abril de 2016

ESCRAVATURA


Há temas fraturantes cuja gestão raramente é linear, a não ser que se opte por versões que não deixam lugar a dúvidas, de preferência cristalizadas em História. A exploração do Homem pelo Homem é um dos melhores exemplos, no sentido em que o Holocausto ou a escravatura permitem criar narrativas e personagens complexas, mesmo amb sem que o leitor se "esqueça
dasscravatura assessed for the same insulin sensitivity tasks described aboveither directly or viaíguas e contraditórias, sem que o leitor se esqueça nunca de que lado está a razão, ou quais os valores que importam.
Prosseguindo uma aposta muito consistente na banda desenhada brasileira a Polvo lançou “Cumbe” de Marcelo D’Salete, coletânea de quatro histórias curtas pelas quais passam diferentes aspetos da vida de escravos de ascendência africana em engenhos e fazendas. Desde logo não há surpresas nas escolhas feitas pelo autor. A fuga, a revolta, mas também a assimilação e a identidade, são tópicos omnipresentes; e qualquer tentativa de romper com o “status quo” é acompanhada por retaliações e castigos, com uma intensidade que por vezes até parece excessiva. A questão é que a escravatura enquanto tema narrativo não pode dar azo a finais felizes, a não ser que se trate do seu. Não é isso que se passa neste livro, que, na verdade, existe num espaço-tempo de relações que se presumiam imutáveis. E inevitáveis.

Em “Calunga” um escravo tenta fugir levando a sua amada. Mas esta hesita, o amor revela-se mais obsessão, e a sequência de eventos mostra que a escravatura não disfarça nem desculpa outras relações de poder; na crueldade humana é sempre possível descer mais baixo. O mesmo sexismo é evidente em “Sumidouro”, desta vez na relação sexual entre dono e escrava, de como agita a família da fazenda, e de como é racionalizada hipocritamente de modo a ser social e literalmente invisível. “Cumbe” e “Malungo” são histórias de revolução e de vingança, e das motivações complexas que animam os seus protagonistas para além do “simples” desejo de liberdade. Revolta mal sucedida na primeira história, melhor na segunda, como convém à narrativa final de um livro que nunca hesita quanto ao modo como se posiciona.

As histórias de “Cumbe” caraterizam-se por fugirem à literalidade e usarem uma base contemplativa, trabalhada por diálogos escassos, por vezes mesmo fragmentados e crípticos. O estilo detalhado de desenho angular algo rígido complementa muito bem o tipo de posicionamento narrativo, no sentido em que a banda desenhada tem aqui um sabor de fotografia coreografada, de pequenas peças trágicas. O estender das histórias utilizando desenhos expressivos sem palavras representa a qualidade inexorável e opressiva das situações que rodeiam os protagonistas. Por outro lado, o que fica por dizer em termos de texto, e que se ressente a uma primeira leitura, acaba por resultar em abordagens subsequentes, no sentido em que as situações de que Marcelo D’Salete parte são tão claras no seu posicionamento e alcance que uma maior literalidade poderia condicionar o uso de uma ferramenta útil e aqui claramente assumida, mas perigosa: o óbvio. Caso as escolhas tivessem sido outras, e a narrativa mais expositiva, corria-se o risco de transfigurar o óbvio de ponto de referência para o leitor em “apenas” óbvio. Com tudo o que isso implica em termos de alienar leitores, sobretudo em temáticas muito glosadas e fortes como esta. Assim, são precisamente as qualidades crípticas, aliadas a uma representação ampla, silenciosa e rigorosa dos espaços, que ajudam “Cumbe” a transcender as armadilhas que podia ter criado para si mesmo.

Cumbe. Argumento e desenhos de Marcelo D’Salete. Polvo. 168 pp., 15 Euros.

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